Florença e a fogueira das vaidades (Mons. Audin & Pe.de Jorry)
Tradução por: Gabriel Sapucaia
Por: Mons. Audin & Pe. de Jorry
Cidade de prazeres sensuais, de alegrias mundanas, de espetáculos ruidosos, onde se veem desfilar os vestidos de suas cortesãs, os cavalos espanhóis de seus nobres, as joias esmaltadas de seus ourives, a seda de seus mercadores; ela não quer nem jejuar nem fazer penitência; permanecerá pagã. Mas o frade não perde a coragem; recomeça suas preces, suas admoestações, suas ameaças. Ele se lança aos pés daquele crucifixo onde sempre encontra novas consolações e, às vezes, inspirações poéticas, que confia à margem do primeiro volume que o acaso coloca ao seu lado. Ele recorre novamente às suas lamentáveis imagens e, para comover, coloca-se ele mesmo em cena:
“Ó ingrata Florença! Ó povo ingrato, ingrato para com teu Deus! Fiz por ti o que não teria desejado fazer por meus irmãos de sangue. Por eles, eu não teria condescendido em falar a um só desses príncipes que me pediram isso em cartas que conservo no mosteiro. Por ti, fui ao encontro do rei da França, e quando me encontrei no meio de seus soldados, pensei ter caído nas profundezas do inferno, e disse-lhe coisas que tu não terias ousado dizer-lhe, e ele se apaziguou. E eu disse-lhe coisas, a ele, grande príncipe, que eu não teria ousado dizer a ti, e ele me ouviu sem cólera. E o que fiz por ti, Florença, me valeu o ódio dos religiosos e dos seculares. Mas que me importa! Converte-te, Florença... Faz o que te disse: crucifica-me, apedreja-me; mas faz o que te disse: mata-me, morrerei contente.
“Fiz tudo por ti, porque te amo excessivamente, porque estou louco por ti. Ó meu Deus! Ó meu Jesus crucificado! Sim, estou louco por este povo. Perdoai-me, Senhor!”
Florença estava abalada. Uma revolução se operou.
Você teria dito ser uma cidade dos tempos puros do cristianismo. A oração substituiu as festas mundanas, as salas de espetáculo ficaram desertas, todas as igrejas estavam cheias. Não se ouve mais nas casas, nas ruas, nas praças, senão o cântico piedoso de hinos e cânticos cujas letras e música Jerônimo revisou. O luxo, a vaidade, a frivolidade, o jogo foram banidos da cidade. Inquisidores estabelecidos pelo frade percorrem as ruas todos os domingos para confiscar cartas, dados, vestimentas indecentes ou mundanas. Se encontram uma jovem vestida com demasiada vaidade, param-na e dizem: “Em nome de Cristo, rei desta cidade; em nome da Virgem Maria, sua mãe; em nome dos santos anjos, deixe essas belas roupas, ou você atrairá a ira do Céu.” E a pobre jovem, temerosa e envergonhada, rapidamente retorna para casa para trocar de roupa. Passando pela porta de um famoso banqueiro, de um usurário, de um rico, de um comerciante, entram e dizem: “Aqui estamos, deem-nos seus anátemas, isto é, suas cartas, seus dados, suas harpas, seus saquinhos, seus perfumes aromáticos, seus espelhos, suas tranças e seus cachos. Em nome de Deus e da santa Virgem, deem tudo imediatamente.”
Savonarola queria oferecer em holocausto todas essas frivolidades de um mundo sensual. Um dia, ele mandou erguer na praça dos Senhores um mastro de trinta metros de altura, ao redor do qual foram dispostas oito pirâmides. A primeira continha as modas estrangeiras que ofendiam a modéstia; a segunda, os retratos das belas florentinas, obras do renascimento pagão; a terceira, instrumentos de jogos; a quarta, instrumentos e partituras de música; a quinta, pomadas e outros cosméticos; a sexta, obras de poetas eróticos antigos e modernos; a sétima, disfarces, barbas postiças, máscaras; no topo do mastro, exibia-se a figura grotesca do carnaval.
Às dez horas da manhã, uma longa procissão de crianças vestidas de branco, coroadas de guirlandas de oliveiras, segurando nas mãos cruzes pintadas de vermelho e cantando hinos da composição de Savonarola, atravessa silenciosa e concentrada as ruas de Florença. Toda a cidade as acompanha... Chegam à praça dos Senhores... Em torno do mastro estavam empilhados madeira, sarmentos, estopas, para o sacrifício do carnaval. Ao sinal dado, a chama se ergue nos ares, envolve a árvore em seus turbilhões, consome, devora todas as pirâmides de anátemas, enquanto o canhão ressoa ao longe, como nas festas públicas, dominando tanto as fanfarras alegres quanto as aclamações triunfantes de um povo embriagado de entusiasmo. O paganismo renascente foi vencido em Florença, e o irmão Jerônimo, retomando humildemente o caminho do mosteiro, ia render graças ao Senhor diante dos santos altares.
Mas esse triunfo do religioso dominicano logo encontraria um fim.
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